Em 1998, Luiz Fernando da Costa Ribeiro, paulista da cidade de Guaratinguetá, se encantou com a música Pátria que Me Pariu, lançada em 1997 no disco Quebra-Cabeça, de Gabriel O Pensador.
Gostou tanto que passou a criar rimas em cima das composições do rapper carioca e as exibia orgulhosamente para a mãe e companheiros de sala de aula.
Um quarto de século depois, já com o nome artístico de Enidê, o versejador, que já venceu diversas batalhas de rimas pelo país e já vendeu mais de 20 mil discos de mão em mão em mais de 120 cidades da América do Sul, se prepara para um dos maiores desafios da carreira – e do hip hop feito no Brasil.
Em janeiro e fevereiro de 2023, ele será o primeiro brasileiro a participar do Combatematica e Batalla de Los Maestros, que serão realizados respectivamente na Bolívia e no Chile.
Será a estreia de um brasileiro nessas competições, que revelaram grandes nomes do freestyle como Aczino, do México, Teorema e DrefQuila, ambos do Chile, e Chuty, da Espanha.
“São competições que promovem os rappers do underground a grandes nomes do rap, reggaeton e pop na América Latina e mundo”, diz Enidê.
O rapper lançou inclusive campanhas para financiar a viagem, ajudar nas despesas do dia-a-dia e na realização de um documentário sobre as duas pelejas.
As doações podem ser feitas em forma de PIX (3262409@vaquinha.com.br) ou no site www.vaquinha.com.br/3262409.
Outra ajuda se dá pela compra de camisetas do rapper, que também procura outros meios para a realização de seu sonho.
“Sempre fui do corre, vendia meus CDs nas ruas de São Paulo.
Hoje equilibro a produção musical com o trabalho de motorista de aplicativo e venda de camisetas.”
Enidê tem uma carreira respeitável no universo do hip hop nacional.
Embora esteja restrito ainda ao underground, participou de batalhas como Rinha dos MC’s, Batalha do Santa Cruz e Batalha da Roosevelt, na cidade de São Paulo.
Os versejadores Koell, um dos maiores campeões paulistas, Kant e MC Kauan, campeão de uma das edições da Liga dos MC’s do Rio de Janeiro, estão entre os artistas que Enidê enfrentou.
As rimas e as batidas do MC, divulgadas através das mixtapes caseiras que ele vendia nas ruas da cidade (e hoje podem ser encomendadas ou escutadas nas plataformas de streaming) não chegam a ser um discurso político, mas sempre existe uma observação social.
“Os meus versos são inspirados pelas ruas.
Posso falar desde os efeitos da pandemia até criar uma letra sentimental.”
Enidê tem por costume ler livros que lhe auxiliam no vocabulário e na riqueza de temas a serem abordados.
“Leio da biografia do líder negro Malcolm X a crônicas das quebradas como Manual Prático do Ódio, de Ferrez, e Cabeça de Porco e Falcão, Meninos do Tráfico, de MV Bill.”
No universo musical, outras influências são os Racionais MC’s e Eu Tiro é Onda, estreia solo do rapper Marcelo D2.
A relação com o hip hop em espanhol nasceu das audições de Los Grandes Exitos, do grupo americano de hip hop Cypress Hill, e de artistas como Actitud María Marta (Argentina) e Control Machete (México). Ela se acentuou em 2008, quando as canções que divulgou no site Soulseek caíram no gosto de artistas latinos.
“Eu passei a comunicar com um rapper do Chile e aprendi a língua a falar e rimar em espanhol.
” No mesmo ano, participou de uma coletânea chamada Latinos Unidos, que reuniu o que havia de melhor no hip hop latino.
Muitas letras das canções atuais, aliás, são compostas na língua de Messi, entre elas Sigo Siendo Callejero, seu mais recente single, e Rompiendo Fronteras.
O desafio de Enidê nessas batalhas não se limita a dominar a língua em espanhol.
O processo dessas batalhas é muito diferente aos das rinhas brasileiras.
“Aqui, valoriza-se muito o punchline, aquela frase de impacto, rima final que poderá bater teu oponente.
Já nas rinhas que eu irei participar, o diferencial está no flow, ou seja, na maneira que as rimas são construídas.
Elas têm de soar mais melódicas”, diz.
“Outra particularidade é que o vocabulário e a velocidade com que você rima faz a diferença.”
O rapper, entre outras preparações para o embate, voltou a andar de skate.
O esporte não apenas o ajudará na preparação física – porque a altitude na Colômbia é temida até por esportistas – mas também o conecta com o passado.
Foi através do skate que ele fez do hip hop a trilha sonora da sua vida.
Enidê sonha ainda que o rap latino seja uma linguagem universal para o continente.
“Existem diferenças musicais, claro.
Os chilenos fazem música com batidas duras e inspiradas no raggamuffin (o omelete verbal dos jamaicanos), os venezuelanos trazem à tona influências dos anos 90…”, enumera.
“Mas no final das contas somos da mesma tribo, da mesma quebrada e temos objetivos semelhantes.”