O Furio acaba de lançar o terceiro single e batemos um papo com o Jarbas Agnelli um workaholic nato que vai nos prover muitos sons numa maratona de lançamentos.
A apresentação no belo texto abaixo de quem é o Furio foi feita pelo amigo e cultuado jornalista Alex Antunes.
Furio é Jarbas Agnelli.
Na verdade, Furio é o bisavô de Jarbas Agnelli.
Tem um mistério, uma certa vibe nessa transmissão da paixão musical pelo DNA.
Que por sorte, nas duas pontas, se traduz em muito talento e realização. Mas vamos por partes.
- O Furio de 2021 é música eletrônica. Para quem conhece Jarbas do duo AD, que lançou um bom disco de Big Neat na virada do século, em 2000, a fluência envolvente das faixas lançadas (e já vêm outras por aí) não é uma surpresa. Era o ápice da eletrônica mundial, e o foco estava nas pistas. Agora o som continua impactante e grooveado, mas é mais nuançado.
Está lá o ouvido para gêneros como o Techno e o Breakbeat (e um toquinho sombrio de Trip Hop), mas dá para ouvir mais a sutil influência de outras épocas formativas de Jarbas, como o progressivo (quando de algum modo ele enxergava a entrega de seu bisavô no gigantesco synth modular de Keith Emerson). E do Synthpop (então chamado de Technopop) dos anos 1980, quando uma louca onda de novos equipamentos mais compactos e de estilização desinibida varreu a cena.
- Jarbas é um homem de várias artes. A dedicação ao audiovisual é conhecida: em seu filme “Birds On The Wires”, que viralizou internacionalmente em 2009, uma foto de pássaros nos fios se transforma numa pauta de música clássica. Está envolvido num projeto de recriação das Quatro Estações de Vivaldi, mesclando orquestra e eletrônica
E sua preocupação com o texto se traduz não só em suas próprias letras, e na parceria com o filho, Gabriel (mais uma geração), que também é compositor, vocalista e produtor, mas vai além. De seus folders sairão faixas de spoken word gravadas com a escritora Fernanda Young, falecida há um ano. No disco do AD já havia duas com o vocal falado dela – e essa é uma das linhas que o Furio vai seguir, com outros convidados.
- Furio, o bisavô. Esse era uma figura. Veio como segundo regente de uma orquestra italiana, e ficou por aqui. Fixou-se em São Paulo, casou-se com uma filha de conde, causando uma certa agitação familiar. Estudioso de Mozart e Bach, ensaísta, dedicado à música sacra com cerca de 500 composições para piano, órgão e coral, dedicou-se a aprimorar o canto gregoriano na Itália, na França e na Inglaterra. Desenhou e trouxe de Milão o gigantesco órgão da catedral da Sé – onde foi o mestre de capela até morrer.
Trouxe também um órgão, esse bem menor – de apenas 4 toneladas – para sua casa, na frente do Museu do Ipiranga. Professor de grandes pianistas, fez indicações na Europa que facilitaram a ida de Villa-Lobos para lá. Teve discos gravados nos EUA e na Argentina. Jarbas pode ouvir o bisavô tocar aos domingos, e foi estudar piano clássico.
Hoje Jarbas considera sua missão lembrar o nome de Furio – um gênio cuja discrição religiosa acabou por tornar pouco conhecido. Quer fazer um longa-metragem documental sobre ele. Entretanto, um pouco na dúvida sobre a ética de usar seu nome num projeto Pop, concluiu que, de alguma forma, fazia sentido na conexão, digamos, energética com seu legado.
- E é onde chegamos à ética e à estética criativa. Um termo-chave para Jarbas é Sound Design. O órgão já trazia a possibilidade de mexer nos registros – e a música eletrônica elevou isso à enésima potência. O pequeno Jarbas, quando não era notado, sentava-se ao órgão e fuçava nos registros. Acha que vem daí sua disposição em fabricar, manipular, em modular o timbre. A criação em vários níveis, no da composição e no da textura, experimentando, colecionando sons, pedaços de eventuais músicas futuras.
Os sintetizadores modulares, sem timbres pré-programados, convidam a se abrir ao acidente modal, à navegação alheia aos mapas da música Pop. Mesmo alguns softwares atuais, como o Live, dão um passo nessa direção em sua arquitetura, se afastando da lógica linear derivada da gravação em estúdio. Quais caminhos foram trilhados desde o som sacro do velho Furio ao profano-tecnológico?
5.”Transcommunication Machine”, a primeira faixa, lançada em dezembro de 2020. A música de Furio, uma das mais “pra cima” de Jarbas, tem um toquinho de Kraftwerk e Depeche Mode. E trata, inicialmente, da busca com comunicações com espíritos usando equipamentos eletrônicos vintage, essa prática peculiar que de fato existe nos meios esotéricos. Para Jarbas, isso também pode remeter a uma busca amorosa – mas talvez simbolize ainda mais. “Ghost In The Machine” foi um termo cunhado por Ryle para comentar a dualidade humana entre mente e corpo. Se ligarmos os pontos, talvez estejamos buscando, no fundo da tecnologia, a nós mesmos. Os samples de “Transcommunication Machine” remetem a Isaac Asimov, autor de ficção científica que também se dedicou a temas bíblicos e metafísicos.
- “Burning”, a segunda faixa. “They knew that / It was coming/ They knew long ago / But instead of stopping / They decide to go” diz um dos versos. Beats quebrados, uma certa solidez electro, uma certa acidez Techno. E, por que não, uma doçura melódica: sem forçar a militância, mas propondo aquele vislumbre das tretas em que a humanidade vem se metendo, flertando com o ponto de não-retorno. Seguimos, tentando ligar os pontos.
Fale um pouco do primeiro contato com a música no geral, e o contato com a música eletrônica?
Meu primeiro contato com a música tem a ver com o nome do projeto. Furio Franceschini era meu bizavô, maestro romano naturalizado brasileiro, que tinha um orgão de tubos de 4 toneladas em sua sala. Todo domingo eu o assistia tocar suas composições para a família. E ficava hipnotizado com todos aqueles botões e teclados.
Isso me levou, naturalmente, a gostar de bandas como Emerson, Lake and Palmer, Kraftwerk, Depeche Mode, que acho que foram minhas grandes influências no início.
De onde veio a idéia de formar um projeto Live, como o AD e agora o Furio? E de onde veio o nome Furio que é potente até na pronúncia?
Sempre me atraiu a ideia de compor e de apresentar meus trabalhos ao vivo. O AD era um duo, que eu formava com Waldo Denuzzo. Tînhamos uma boa sintonia, eu trazendo o Eletrônico e ele o Rock, o que gerou um trabalho interessante de Big Beat no final dos anos 90, com album lançado pela gravadora Trama. Já o Furio é um projeto pessoal, fruto de anos de experimentações no campo digital e analógico. Bom, o nome Furio foi explicado na resposta anterior. É uma homenagem a esse gênio que foi meu bisavô, que tem em sua trajetória mais de 450 composições.
Qual a sua visão de um produtor musical num mercado cada vez mais competitivo como o do Brasil, e do exterior no segmento de música eletrônica?
Eu sou um criador e diretor de filmes, além de músico. Eu acho que em ambas as atividades, o importante é você achar a sua voz. Achar uma linguagem, um caminho particular. A democratização dos meios que vivemos hoje trouxe à tona milhões de clones de clones de clones. A vasta maioria tentando soar parecido com alguém ou alguma coisa. É raro encontrar artistas com uma identidade. É difícil, mas é isso o que busco.
Conte para nós sobre os dois primeiros singles “Transcommunication Machine”, que digamos veio mais Pop, com uma forte pegada oitentista nas melodias?
Transcommunication faz referência é uma obscura atividade; gravar comunicação de espíritos através de aparelhos de rádio e TV antigos. Algo ao qual me interessei em uma fase de minha vida. Misturei isso com um curto romance virtual que tive com alguem que morava em outro país. A letra fala desse amor impossível, e interdimensional. Eu sou bastante influenciado pela sonoridade dos anos 80. Orchestral Maneuvers in the Dark (O.M.D.), Thomas Dolby, The Cure, Cocteau Twins. Todos eles excelentes criadores de melodias, algo que acho importante em uma música Pop.
Fale sobre “Burning”?
Burning traz um tema triste e atual: as queimadas de florestas e a exploração destrutiva de nosso planeta. É um lamento em primeira pessoa, da Terra dando um pito no homem. O som é dark, com muitos baixos se interpolando. Mas ainda assim tem uma pegada bem rítmica, pulsante.
Como é o processo de composição?
Eu sou um colecionador. Coleciono synths, módulos, efeitos. E coleciono sons. Gosto de experimentar sem planejar muito, principalmente nos modulares. Quando acho algo interessante, gravo e deixo guardado. Muitas de minhas composições começam com alguma descoberta em meu HD, algo que eu nem lembrava mais que tinha feito. Daí mesclo os universos, pulando do analógico para o digital. Não sou purista. Misturo bastante o universo físico dos teclados e outgears com plugins. No final, processo tanto que nem lembro de onde vieram os sons.
Você teve o projeto AD que lançou álbum pela extinta gravadora Trama e videoclipe premiado na MTV. Qual é a principal diferença do AD e Furio?
Na minha cabeça, a única diferença é a época. A motivação é a mesma: tentar achar sonoridades interessantes e criar boas músicas. Acho os dois pontos igualmente importantes (muitas vezes eles não vem juntos). Bom, o AD era uma dupla, então havia uma contribuição, uma negociação. Agora posso errar sozinho, haha. isso posto, Jodele Larcher, meu empresário, tem um ótimo ouvido e uma vasta visão musical, tanto artística, quanto mercadológica. Tenho sorte de tê-lo como conselheiro. Acho que outra coisa que mudou, como você citou na pergunta, foi o universo do vídeo. Lançamos o disco do AD no auge da MTV. Só com o AD, fomos parar 3 vezes como indicados no VMB. Isso ajudou não só a banda, mas como minha carreira de diretor. Foram tempos férteis.
Qual o set-up atual do seu estúdio? E ao vivo o que usa?
Tenho teclados antigos (JX-8P, Arp Odyssey, Roland System 100M etc) e novos (Voyager, Minilogue, Minibrute, Mopho, Nord Lead etc). E gosto muito das recriações que comprei (Roland SE-02, JP-08, Korg Volcas etc). Uso bastante os módulos que tenho de Eurorack. Eles me obrigaram a pensar música de um jeito diferente, e normalmente trazem resultados inesperados. Uso apenas o Ableton Live para gravar, criar e mixar. Abandonei o Logic já há alguns anos. Ao vivo uso o Push 2 com um MacBook e alguns poucos teclados variados. Tento manter a coisa simples.
Qual a decisão mais importante na sua vida para dedicarem-se a música de forma profissional?
Não lembro do momento onde articulei em minha mente que queria me tornar um profissional da música. Sempre quis ser músico, desde muito cedo, e o processo foi fluido. Mas lembro do dia em que entrei em minha primeira banda. Íamos tocar covers de Pink Floyd, Supertramp, Genesis. E eu não tinha um teclado, apenas um piano. Convenci minha mãe a me comprar um Casiotone. O que enfureceu o meu pai, que adorava me ouvir tocar clássicos no piano. Era como se eu estivesse passando para o lado negro da força. O Casiotone durou um ano (tinha um som bem vagabundo) e eu consegui juntar dinheiro para trocá-lo por um Korg Poly-6. Quando peguei o Poly 6 entrei num outro universo, de onde nunca mais saí.
A partir de que momento passou a planejar sua carreira? Recorreu a algum profissional para lhe orientar?
Aguinaldo Rocca (hoje empresário do André Abujamra) foi nosso empresário no AD e nos levou para a Trama. O Jodele Larcher participou ativamente do AD também, nos arrumando varias gigs bacanas no Rio e em SP. Muitos anos depois, Jodele e eu estamos juntos no Furio. Acho bastante importante essa mentoria. Sou um músico e tudo o que quero é ficar enfiado no computador criando. Há muito trabalho fora disso, muita coisa a ser pensada.
Descobrindo os meandros da profissão o que lhes motivou, qual foi seu maior desafio de você até aqui como Furio e individualmente?
Meu grande desafio sempre foi tentar criar boa arte. Tentar sair do lugar comum. Construir uma identidade. Seja nos filmes ou na música. Para mim, não há nada mais recompensante do que sentar na frente do computador e sentir arrepios ouvindo ou vendo algo que eu mesmo inventei, mesmo que isso acabe não chegando ao público. Há uma mágica nesse momento de satisfação pessoal, de superação, de aprendizado. O resto é consequência disso.
Depois de tanto tempo na estrada você deve ter muitas histórias engraçadas e até casos não tão legais. Contem para nós um de cada desses momentos?
Muitos momentos bons e outros engraçados. Tocar com o AD no festival AMP na USP para 20 mil pessoas foi um momento emocionante. Ganhar o VMB de Melhor Direção de Arte com o clipe de “Get Down” foi também um ponto alto. Um caso trágico/engraçado foi quando íamos tocar no Eletronika em BH. Mandamos nossos equipamentos de carro com um amigo e fomos para o aeroporto. Quando estávamos quase embarcando, recebemos uma ligação que nosso amigo tinha capotado com o carro. Durante o acidente, a porta traseira abriu e todo o equipamento foi jogado pela estrada. Nosso amigo teve só um corte na testa, mas os teclados, guitarras, baixo, racks de efeito, ficaram em pedaços. Desistimos do vôo (e do show) e dirigimos 400 quilômetros para buscar o que sobrou.
Qual é o lado mais bacana dessa profissão e o lado por vezes mais desagradável?
Para mim o lado mais legal tem sido finalizar e publicar músicas. Assinar com a Cri Du Chat e a Universal Music foi o empurrão que eu precisava para organizar anos de produção e finalmente acabar e colocar na rua meus trabalhos. Dá uma satisfação ver os tracks formatados, as capas, os clipes. E receber o feedback dos ouvintes. Só acho uma coisa desagradável nessa atividade: carregar equipamentos em viagens.
Quais são os planos atuais?
Finalizar os clipes, continuar publicando os singles, e preparar um EP. E também começar a tocar ao vivo os trabalhos, mesmo que seja em lives.
Aonde quer estar nos próximos cinco anos?
Quero conseguir gerar um bom material audiovisual e mostrá-lo em festivais, assim que as coisas começarem a voltar para os trilhos no mundo do entretenimento ao vivo. Acho que o projeto Furio tem bastante potencial.
Na sua visão quais são os maiores diferenciais do Furio para o mercado de música eletrônica?
Acho que o som obviamente é o mais importante. Tento imprimir nele uma personalidade e a melhor qualidade possível. Mas também acho que meus anos de knowhow como criador e produtor de filmes podem dar ao projeto um verniz bastante necessário nos dias de hoje. Um pegada multimídia. É por aí que quero seguir. Misturando tudo.
Qual foi seu primeiro disco que você comprou?
“Brain Salad Surgery”, do Emerson, Lake and Palmer. No Brasil, o LP foi lançado com uma capa simples, sem faca especial. O original, tinha uma capa que abria em duas camadas, revelando o interior da ilustração do H. R. Giger. Décadas depois, passeando por um mercado de pulgas no Japão, achei jogada em uma caixa a versão original, impecável. Tenho os dois álbuns comigo.
Qual foi a primeira música que te impactou de fato?
“Toccata”, do ELP. Desse mesmo disco. Eu era doido por essa música com uns 11, 12 anos de idade. Na época fiz um “show’ para minha família, martelando mal e porcamente uma bateria com a faixa tocando ao fundo. Coitados.
Tem algum hobby fora música?
Pilhas. Nem sei se são hobbies ou camadas de minha profissão. Criação e produção de curtas. Stop Motion. Fotografia. Ilustração. Escrita. O que falta para mim é tempo.
Um sonho já realizado na música?
Tocar a música de meu curta Birds on the Wires, acompanhado por um sexteto de cordas da Julliard School, dentro do museu Guggenheim em NY, no Festival Youtube Play, onde por sorte fui vencedor. Daquelas coisas que você só vai entender o que aconteceu dias depois. E mesmo assim, não acredita.
Um sonho a ser realizado na música?
Criar e executar uma ópera eletrônica, que misture música ao vivo, dança, atores, e tecnologias diversas, como o reconhecimento dos movimentos dos dançarinos traduzidos em geração de audio e video.
Ouça o single “Fecha O Olho e Vai” em todas as plataformas digitais no link:
https://umusicbrazil.lnk.to/FechaOOlhoEVai/
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