Do Orkut ao TikTok, as plataformas mudaram um bocado nos últimos 20 anos. Hoje, permanecer – ou não – nas redes é uma decisão política, antes de mais nada.
O Orkut, plataforma digital para redes sociais criadas pelo engenheiro do Google Orkut Büyükkökten, ganhava uma versão localizada para o público brasileiro. O internauta (lembram?) tupiniquim já experimentava conexões sociais via internet, basicamente por meio de comunicadores instantâneos como o ICQ e o MSN e pelas ubíquas listas de e-mails.
O Orkut foi a primeira plataforma web que pegou por aqui de verdade; o MySpace só ganhou versão traduzida em 2007 e o Facebook ainda era restrito aos EUA.
Em 2004, cerca de 30 milhões de brasileiros (menos de 20% da população) se conectaram uma ou mais vezes à web, mas o número de usuários diários era bem menor. Quando o Orkut chegou ao Brasil, menos de 12% dos domicílios tinham acesso à internet.
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Imagine comprar uma revista de papel, sentar diante de seu moderníssimo Pentium IV com 32 MB de RAM e 1 GB de hard drive e digitar: “H-T-T-P-:-/-/…”
Janeiro de 2025. As plataformas de mídia social (popular e equivocadamente chamadas de “redes sociais”) engoliram o resto da internet. E monopolizam, há anos, a comunicação humana e a formação da opinião pública em todo o mundo. O Brasil não escapa desses imperativos.
Você usava internet antes de abril de 2004? Se sim, ainda lembra de como era?
Você está preparado/a para voltar àquela época?
Se você está lendo este texto, é porque usa ao menos uma plataforma de mídia social (o Substack, oras) e, quase com certeza, está em várias outras. Facebook, Instagram, ̶X̶ Twitter et caterva hoje são o fulcro da experiência humana online. Entrar na internet é, na prática, logar em uma ou mais dessas plataformas, algo que fazemos todos os dias de forma irrefletida, praticamente instintiva.
Mas houve uma época em que “estar online” não era sinônimo de “acessar a mídia social”. E nem faz tanto tempo assim. Antes da chegada do Orkut, há pouco mais de 20 anos, era possível manter uma presença online independente das plataformas. E mesmo no auge da era Orkut, quando o Brasil respondia por mais de 30 milhões de perfis no site, o objetivo principal ainda era a conexão entre pessoas e grupos de interesse.
Há uma razão para a Wikipedia descrever o Orkut como “um serviço de redes sociais” e preferir o termo “serviço de mídia social e redes sociais” para o Facebook. O primeiro servia para conexões interpessoais; o segundo funciona como um canal de transmissão de conteúdo.
O negócio começou a mudar com a popularização do Facebook e, principalmente, do Instagram. O news feed do Facebook, apresentado em 2006, iniciou o deslocamento das interações perfil-com-perfil e perfil-com-comunidades para a interação perfil-com-TODO MUNDO. O usuário passou a ver o que os outros postavam em seus perfis, num scroll infinito. Todos nós passamos a falar, ao mesmo tempo 1) conosco mesmos; 2) com todos os outros e; 3) com ninguém. Aí começou a dar-se a merda, enquanto os donos das plataformas aperfeiçoavam os mecanismos para manter as pessoas online, para manipular o conteúdo que elas viam e para lucrar com isso.
O Instagram, que surgiu em 2010, foi a primeira plataforma na qual o conceito de mídia social suplantou o de rede social. Até ali, as pessoas usavam esses sites para se conectar com as pessoas. O Insta era feito não para conectar um perfil a outro, e sim para exibir um perfil a quem quisesse ver, conhecido ou estranho.
(À essa altura, o Orkut, tadinho, tinha sido desativado há anos. Até no Brasil, que praticamente era a razão de ser do site, havia sido ultrapassado pelo Facebook (em 2011) no total de inscritos.)
O Instagram levou um ano para chegar a 10 milhões de usuários e menos de oito para juntar 1 bilhão. Conforme debatido aqui há algumas semanas, nenhuma outra tecnologia de comunicação se alastrou tão rapidamente, entre tantas pessoas, como as plataformas de mídia social. A televisão levou mais de 70 anos para chegar ao primeiro bilhão de aparelhos. A internet levou metade do tempo para atingir a marca. O Facebook precisou apenas de oito anos. O TikTok, pouco mais de cincio.
Fonte: https://www.statista.com/chart/25974/social-networks-time-spent-to-reach-one-billion-mau/
Em resumo: aderimos rapidamente demais a um meio de comunicação que se tornou ubíquo demais, e que hoje interfere de forma demasiada e incontrolável em todos os aspectos da vida contemporânea. Volto a perguntar: você, que usa mídias sociais, consegue se lembrar da internet pré-Orkut? Ou, como os outros bilhões de usuários, passou a considerar essas plataformas como a internet per se, sem pensar nas consequências dessa opção?
Em 2025, estar ou não nas mídias sociais é, antes de mais nada, uma questão política. As empresas da Meta dominam o cenário, atingindo metade da população mundial, e estão alinhadas ao movimento global de direita. O ̶X̶ Twitter, que concentra o maior número de políticos e formadores de opinião, é controlado por um bilionário troll cuja ideia de diversão é fazer saudações nazistas via satélite para todo o mundo.
Essas plataformas hoje trabalham com o objetivo declarado de desmantelar qualquer consenso possível sobre a realidade, em nome da ~liberdade de expressão~ e do ~combate ao sistema~. O resultado concreto é o descrédito generalizado das instituições: Executivo, Legislativo, Judiciário, organizações multilaterais, o jornalismo, as ONGs. E sabemos que esse descrédito só favorece aos reacionários. É um sistema de comunicação feito para privilegiar o indivíduo, e não o coletivo; e que recompensa a quem promove a discórdia e pune os que buscam o diálogo.
Buscar no Google pelo termo “o fim das mídias sociais” vai oferecer um monte de artigos e reportagens sobre um futuro pós-plataformas. Para além da teorização, fica aqui um apelo à reflexão, direto a você, que está lendo isso agora. Você realmente precisa das mídias sociais?
Você consegue imaginar sua vida sem elas? Em seu relacionamento com essas mídias sociais, há mais aspectos negativos ou positivos? Você tem ciência de que mesmo postagens críticas às plataformas acabam gerando mais engajamento, mais poder e mais dinheiro para essas mesmas plataformas? Você entende que está trabalhando de graça para os homens mais ricos do mundo, que estão a rir da sua cara? Você está preparado para ir abandonando o hábito aos poucos – desinstalando os aplicativos do celular, determinando um tempo-limite para ficar logado, instalando extensões que reduzam o estímulo ao acesso às redes? E, na hora certa, estará preparado para puxar de vez a tomada e buscar uma nova forma de presença online?
Não estou dizendo que é um processo fácil. Nem que vá fazer diferença concreta no fim das contas. Mas essas questões precisam ser respondidas.
Mencionei lá em cima que o Orkut foi desativado. Mas o endereço https://www.orkut.com ainda está online, trazendo apenas um texto do próprio Orkut Büyükkökten. Destaco aqui alguns trechos da mensagem:
Trabalhamos muito para tornar o orkut.com uma comunidade onde o ódio e a desinformação não fossem tolerados (…) uma comunidade onde você pudesse conhecer pessoas reais que compartilhavam seus mesmos interesses, não apenas pessoas que curtiram e comentaram em suas fotos. (…) O mundo precisa de gentileza agora mais do que nunca. Há tanto ódio online nos dias de hoje, e nossas opções para encontrar e construir conexões reais são poucas e bem escassas. (…) O mundo precisa de gentileza agora mais do que nunca. Há tanto ódio online nos dias de hoje, e nossas opções para encontrar e construir conexões reais são poucas e bem escassas.
Você usava internet antes de abril de 2004? Se sim, ainda lembra de como era?
Obrigado por me aturar em mais uma plataforma. Curtiu? Aperta o botão laranja aí embaixo para compartilhar este post. Não curtiu? Manda um comentário com ponderações.
P.S. A misoginia e o machismo estão sempre na moda, né? Ainda mais na semana que se encerra. Podcasts, textões, repercussões, fofocas. A misoginia e o machismo quase me impediram de escrever este post também. Minha semana foi completamente descaralhada com a notícia do assassinato de uma amiga, vítima da forma mais aguda de misoginia e machismo: o feminicídio. Se você tem conhecimento de um relacionamento abusivo e tem intimidade suficiente para intervir, não hesite. Converse, dê apoio, empreste coragem à vítima para encerrar a situação antes que o pior aconteça. Se você você tem conhecimento de um relacionamento abusivo e NÃO tem intimidade suficiente para intervir, apenas chame a polícia. Antes que o pior aconteça.