Viver novamente o ambiente do festival Sonar de Barcelona (estive pela primeira vez na edição de 1994 após receber o convite por carta (!) da organização), confirma que realmente é uma experiência além da música e pode ser considerado sim um dos festivais mais exclusivos em conceito e conteúdo no mundo.
Nenhum outro festival reproduz tão bem um cenário de música de vanguarda (em todas as vertentes da) música eletrônica (da mais pista a mais experimental, intervenções acústicas), novos talentos descobertos pela Red Bull Music Academy (plataforma da marca austríaca de bebida energética, que apoia novos talentos da música e com grande envolvimento na música eletrônica, sempre assinando um dos palcos em todas as edições do Sonar festival pelo planeta), além palestras com temas diferenciados, e claro a experiência de conviver com pessoas do mundo todo.
Com um público de 115 mil pessoas de 101 nacionalidades diferentes, o Sonar transforma-se num verdadeiro patrimônio cultural, e um dos festivais obrigatórios para os fãs da música eletrônica.
Para mim desde 1994 esta edição foi uma paixão retumbante, passado 2015, o festival adquiriu ainda mais significado para mim tendo; olhos, cheiro, sorriso, abraços muito além da boa música.
Barcelona com todo seu calor humano (bem festivo) e climático (boa cidade para os europeus treinarem os corpos antes de um desembarque no Brasil) é um cenário que combina com toda energia do festival.
A estrutura do festival impressiona pela organização e só vai melhorando com o passar dos anos, destaque para a farta área de alimentação, as vias de acesso e transporte público de Barcelona contribuem para uma mobilidade sem deslocamentos de carros, mesmo para nós que estávamos com uma van do crew da Red Bull Music Academy era muito cômodo ir e vir por taxi ou transporte público.
A 24ª. edição do Festival na Espanha já tem datas anunciadas para junho de 2017 (de 15 a 17/06), a cidade de Tóquio no Japão passa a ser incorporada no calendário internacional do festival e terá sua primeira edição confirmada para abril (01/04) de 2017.
As edições sul-americanas no Chile e Colômbia devem ser logo anunciadas enquanto as do Brasil e Argentina (em função da proibição dos festivais: https://www.djsound.com.br/argentina-proibe-eventos-e-festivais-de-musica-eletronica/), devem ficar de molho (engavetadas) neste ano, ao que apuramos nos bastidores.
Desembarcamos com a DJ Sound um dia antes do início do festival e logo no primeiro dia caímos no showcase do selo Ellum de Maceo Plex, nos preparando para a maratona do primeiro dia (leia em: https://www.djsound.com.br/sonar-barcelona-1o-dia-de-calor-com-brian-eno-e-jean-michel-jarre/) e para os dois que viriam:
Segundo Dia
Com um de nossos integrantes passando mal e sendo hospitalizado com pronto atendimento e liberado horas depois.
Estávamos extasiados pelo primeiro dia onde demos de cara no Sonar+D com a palestra de Jean Michel Jarre, falamos com sua equipe de assessores (atualmente formada por franceses, belgas e americanos, com suporte da gravadora Sony da Espanha), e filmamos trechos da palestra que podem ser vistos na DJ Sound TV (https://www.facebook.com/djsoundtv).
Novamente na chegada, demos um giro pelo Sonar+D, vendo algumas das instalações, palestras como a de Richie Hawtin num painel da escola inglesa, Point Blank, de produção musical, apresentando o novo mixer Model 01, que gerou um tour criado por ele com alguns artistas (também selecionados pelo próprio, como Chris Liebing, mostrando as aptidões da engenhoca), para os aficionados em tecnologia e qualidade de som o Model 01 supera em muito os tradicionais mixers da Pioneer em suas diferentes versões.
No mesmo dia Richie Hawtin surpreendeu a todos com seu show no palco com novos controladores que davam autonomia no jogo de luzes que ele mesmo controlava.
O canadense Richie Hawtin foi uma das presenças mais intensas no festival com quatro compromissos (duas palestras, uma entrevista, e seu show), parecia estar ligado a uma tomada e foi acompanhado do seu pai e mãe além do seu crew do selo Minus.
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Uma das partes mais agradáveis do festival era a parte ao ar-livre, onde apesar do forte calor pelo contato direto com o sol, era possível sentar-se no chão e admirar movimentação do público ao som de um P.A. poderoso, onde cerveja gelada e água refrescavam os ânimos.
O coração batia forte, pois a noite prometia com o show de Jean Michel Jarre, e sem dúvidas foi o ponto alto da noite reunindo inclusive outros artistas como Richie Hawtin que assistiram ao show do mago francês na plateia. Entre as músicas dos dois últimos álbuns batizados de “Electronica I e II” que batizam a novo tour que estreava oficialmente no Sonar como première, Jarre presenteou, em pouco mais de uma hora, a todos com os clássicos “Oxygene” e “Equinoxe” em novas roupagens, teve ainda a “harpa laser” na parte frontal do palco tocada por ele que ainda desfilou empunhando e tocando um teclado pelo palco.
A parte visual do show foi um caso a parte com paredes de leds estrategicamente posicionadas dando efeito 3D para a apresentação.
Se em outros tempos ele causava constrangimento (nas linhas de outros jornalistas brasileiros) para a música eletrônica francesa, o show e fase atual dão um belo tapa na cara com luva de pelica (rs), Jarre provou que o passar dos anos, e quase ostracismo (eis uma verdade até para os fãs fervorosos), deram boas ideias para um retorno triunfal.
Da minha parte escapou das chibatadas ajoelhado no milho, pelo péssimo álbum “Teo & Tea” (de 2007), onde até sua gravadora, Sony Music, ficou descrente na continuação de uma carreira musical sustentável; até mesmo a gravadora agora dá um apoio maior fazendo-se mais presente.
Nem recuperados do show de Jarre que até arrancou dancinhas e levantadas de braços no melhor estilo “party people”, e o show do inglês James Blake foi outro muito disputado e uma surpresa para nós (digno dizer que nem estava na nossa programação para ser visto), e não é que o cara manda bem!
Com apenas 28 anos e indicado ao Grammy, conquistou o Brit Awards como melhor artista solo de 2014, o produtor musical que assina diversos remixes com o codinome Harmonimix deu uma aula de música e improvisação, vocal sensível e emocional, no palco tendo o público compadecido até a última nota, ooops beat!
FatBoy Slim, com seu jeito bonachão, com direito a usar mascara que logo arrancou para delírio da plateia com seu som comercial ganhou bênçãos ao homenagear Prince, com direito a música no set e imagem no telão.
Um nome tão comercial como ele no meio de nomes mais “conceito” mostra a pluralidade do festival e o apelo que um line-up deve ter com público em geral.
Saldo, batida em retirada do festival passava das sete horas da manhã direto para o hotel.
Terceiro Dia
O mal de um festival tão grandioso como o Sonar é que o público que gosta de mais de meia dúzia de atrações sofre para ver ou declinar algumas das atrações.
O que falar do terceiro e último dia da maratona que tinha show do New Order (com direito a homenagem póstuma) ao Joy Division banda embrionária do New Order (leia: https://www.djsound.com.br/morte-de-ian-curtis-fez-nascer-o-new-order-e-redefiniu-a-dance-music/), Bookashade (retornando ao palco do festival uma década depois de seu debute nele), e do mestre e ex-cozinheiro Laurent Garnier em long set.
Noite épica onde tivemos o privilégio de ver do palco duas músicas inteiras do New Order (ao menos no Sonar eles conseguiram arrastar um bom público com o único motivo de vê-los, alguns foram embora do festival logo após o término do show).
Bernard Summer que sempre cantou de forma sofrível (em estúdio soa melhor), engana bem ao público que não esta nem ai e só quer saber de música, e lá se foram os hits “Perfect Kiss”, “Blue Monday” deixando o cheiro de naftalina no ar e sorrisos nos rostos além de beijos acalorados de casais que parecem ter se apaixonado muito tempo atrás.
Bookshade fez um show azeitado e com belos efeitos visuais mostrando que dois caras podem preencher um palco dos grandes e fazer algo eficiente em termos de entretenimento, os caras até serviram de inspiração para a dupla de irmãos ingleses do Disclosure (que vimos em Londres poucos dias atrás numa apresentação private em evento corporativo).
Boyznoize também fez première do seu novo show no festival e arrebentou com seus noises mostrando que superou a cisma de ser um subproduto da era da dupla Justice, seu Electro-Space-Disco-Techno-Noise agradou em cheio aliado a excelentes visuais dando o clímax.
Nomes como Underground Resistance presents Timeline com seu live no palco Sonar Dome assinado pela Red Bull Music Academy fizeram suar as paredes do local que não parava de receber gente pela sua entrada deixando tudo até meio desagradável.
No repertório várias pérolas da música Techno “made in Detroit”, tudo executado ao vivo e com melodias improvisadas na hora e remetendo a incursões jazzísticas que fazem parte da escola desse gênero musical que começou na classe operária desempregada em Detroit no colapso e crise da indústria automobilística, onde sintetizadores e baterias eletrônicas custavam mais barato que instrumentos como um saxofone (os mais radicais poderiam até pedir o mesmo para o Brasil banindo o pandeiro e o cavaquinho, rs).
O Techno de Ben Block foi uma grata surpresa garantindo o rebolation encerrou o Sonar Night, ao ar livre, com o raiar do dia onde passávamos das 07h30 da manhã.
Numa ida ao hotel e com apenas quatro horas dormidas fomos almoçar, bebericar e terminamos na festa de encerramento After Closing Party do Poble Spaynol ao som do papa Sven Vath e seu Techno eficiente.
Enfim sobrevivemos a mais uma edição do Sonar, corpo dolorida pelas andanças pelos oito espaços do festival, poucas horas de sono nos últimos dois dias e uma vontade incontrolável de retornar no próximo ano.
Site oficial:
especial flagrantes DJ SOUND
by Gonçalo Vinha